terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Declaração de Amor

Declaração de Amor

Tentei dizer quanto te amava, aquela vez, baixinho mas havia um grande berreiro, um enorme
burburinho e, pensado bem, o berçário não era o melhor lugar. Você de fraldas, uma graça, e eu
pelado lado a lado, cada um recém-chegado você emsaber ouvir, eu sem saber falar. Tentei de novo, lembro bem, na escola. Um PS no bilhete pedindo cola interceptado pela professora como um gavião.
Fui parar na sala da diretora e depois na rua enquanto você, compreensivelmente, ficou na sua. A
vida é curta, longa é a paixão.
Numa festinha, ah, nossas festinhas, disse tudo:"Eu
te adoro, te venero, na tua frente fico mudo". E você
não disse nada. E você não disse nada. Só mais
tarde, de ressaca, atinei. Cheio de amor e Cuba, me
enganei e disse tudo para uma almofada. Gravei, em
vinte árvores, quarenta corações. O teu nome, o
meu, flechas e palpitações: No mal-me-quer, bem-
me-quer, dizimei jardins. Resultado: sou persona
pouco grata corrido a gritos de"Mata! Mata!" por
conservacionistas, ecólogos e afins. Recorri, em
desespero, ao gesto obsoleto:"Se não me segurarem
faço um soneto"E não é que fiz, e até com boas
rimas? Você não leu, e nem sequer ficou sabendo.
Continuo inédito e por teu amor sofrendo. Mas fui
premiado num concurso em Minas.
Comecei a escrever com pincel e piche num muro
branco, o asseio que se lixe, todo o meu amor para a
tua ciência. Fui preso, aos socos, e fichado. Dias e
mais dias interrogado: era PC, PC do B ou alguma
dissidência? Te escrevi com lágrimas , sangue, suor e
mel(você devia ver o estado do papel) uma carta
longa, linda e passional. De resposta nem uma
carinha, nem um cartão, nem uma linha! Vá se
confiar no Correio Nacional. Com uma serenata, sim,
uma serenata como nos tempos da Cabocla Ingrata
me declararia, respeitando a métrica. Ardor, tenor, a
calçada enluarada...havia tudo sob a tua sacada
menos tomada pra guitarra elétrica. Decidi, então,
botar a maior banca no céu escrever com fumaça
branca: "Te amo, assinado.." e meu nome bem
legível. Já tinha avião, coragem, brevê, tudo para
impressionar você mas veio a crise, faltou o
combustível.
Ontem você me emprestou seu ouvido e na
discoteca, em meio do alarido, despejei meu coração.
Falei da devoção há anos entalada e você disse "Não
escuto banda". Disse "eu não escuto nada".
Curta é a vida, longa é a paixão.
Na velhice, num asilo, lado a lado em meio a um
silêncio abençoado direi o que sinto, meu bem. O
meu único medo é que então empinando a orelha
com a mão você me responda só: "Hein?"

(LUIZ FERNANDO VERISSIMO)

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