terça-feira, 25 de maio de 2010

Mário Faustino

        

MÁRIO FAUSTINO



MÁRIO FAUSTINO

Vida, amor e morte são temas capitais da poesia de Mário Faustino. Entrelaçados, esses elementos sustentam o seu timbre poderoso, erudito. A morte em Mário não é apenas um pretexto de escrita, uma vacilação. É anseio, pressentimento. A sua morte trágica em 27 de novembro de 1962, na explosão de um Boeing da Varig, confirmou a previsão de uma frenóloga de Nova York. Morreu aos 32 anos de morte anunciada e pressentida. Toda a sua obra é marcada de presságios, envolta numa aura dramática, tensa, onde a morte paira seu silêncio e vulto.

O poema Romance é exemplar dessa premonição. A respeito desta peça literária, a professora Albeniza Chaves, da Universidade Federal do Pará, se pronunciou: “O poeta experimentará situações místicas, pressentirá a proximidade do seu fim, sentirá, novo Cristo, o abandono e a traição, o peso e a ingratidão do mundo, fará, enfim, a sua via crucis sem conseguir resolver o enigma Vida-Morte, diante do qual seu sentimento é o trágico e o amor fati – aceitação heróica do destino”. Albeniza prossegue em sua análise: “Esse amor fati, ainda expressão de erotismo universal de Mário Faustino, tem algo de tragicidade inerente à atitude desafiadora do homem que procura uma estranha fé na Vida que a Morte revigora. É a confiança do ser desnudo, a fé na existência pela existência, que chega até mesmo a transformar a morte num acontecimento festivo, amado, esperado, como proclama a canção Romance: “Não morri de mala sorte/morri de amor pela morte”.

Poeta construtor, artífice, a mão suando cada verso, a palavra precisa em cada gesto, Mário – que também era jornalista – sabia das torturas que o poeta submete o vate desamparado. De nada adianta recorrer às musas simplesmente; é preciso pulsar a obra, concebê-la como universo a lapidar, suor, trabalho. Escrever – e escrever bem – é uma tarefa difícil, mas o poeta se atirou a essa penosa empreitada. Buscou em Eliot, em Pound, nos poetas da Antigüidade, as pilastras para a consumação de uma obra em vertiginosa ascensão.

Durante os anos em que editou a página Poesia Experiência, no Jornal do Brasil, mostrou sua verve crítica, a capacidade de reconhecer o verso preciso, a poesia fundamental em contemporâneos e avoengos. Comentava com precisão a metáfora ímpar e demolia sem titubear o texto empavonado e incompetente. Exigia dos autores o compromisso com a palavra, com a evolução da poesia. Exigia-lhes conhecimento do terreno, capacidade de superação.

Seu único livro publicado, O Homem e sua Hora, foi suficiente para dar a conhecer a sua voz poderosa. Poesia de tom nunca decadente, a de Mário. Em seu texto jamais o desleixo, a irresponsabilidade que conduz ao verso mal acabado à barbárie do poema sem convicção e sem unidade. Nesta edição, há bons exemplos de sua escritura. A palavra como ética, como expressão e como estética.

Mário nasceu no Piauí e aos nove anos mudou-se para Belém. O episódio da vidente de Nova York é significativo. Mário não levou a sério as previsões da astróloga e frenóloga sobre as péssimas conjunções do período. Riu-se o poeta, mas na hora de viajar adiou o quanto pôde, afinal a vidente havia conseguido revelar, sem erro, detalhes do passado de Faustino. Quando não era mais possível adiar, ganhou coragem e partiu. Antes, cheio de desconfiança, deixou com a mãe adotiva (sua cunhada) instruções de como proceder caso a fatalidade... ah, a fatalidade...

Os que falaram com Mário antes da viagem revelaram-no tranqüilo. Tranqüilo, voou nas asas da morte. Partiu, deixando um vácuo na vida literária brasileira. Sim, porque não são poucos os que afirmam que a página Poesia Experiência até hoje não encontra par pela contribuição que promoveu do fazer poético, pela crítica contundente e pelo debate teórico profundo e refinado.

Mário Faustino era bem o crítico arguto, exigente, implacável, que não poupava nomes da envergadura de Drummond e João Cabral de Mello Neto, sem falar em Vinicius de Moraes. Do poeta de Claro Enigma, afirmou convicto e quase cruel que nunca seria um Pound, um Elliot, pois faltava-lhe “participação”, deixar de agir poeticamente só pelos poemas que publicava e discutir a sério a poesia. Outra: “Cala-se. Não manifesta grande interesse pelo progresso da poesia”, cobrou a certa altura do competentíssimo Drummond.

Mas sua fina percepção sabia reconhecer as virtudes de cada um. Jorge de Lima ainda não havia sido suficientemente apreciado, e Faustino lhe teceu fervorosos elogios, dizendo-o um “finado mais vivo que todos os que sobreviveram”, apesar de, segundo ele, não ter incendiado, em suas revoluções, muitos dos templos em que deveria ter ateado fogo. “Libertou-nos de muita sintaxe, de muitos cacoetes – materiais e formais – porém estimulou outros. É muita coisa, mas não basta”, sentenciou.

À frente da Poesia Experiência,Mário incendiou o panorama literário brasileiro entre setembro de 1953 e novembro de 1958. Com o lema “Repetir para aprender, criar para renovar”, foi o primeiro a apoiar o Concretismo. Crítico seguro, um dos mais conscientes de sua geração, pôs por terra a fama de muitos autores erroneamente endeusados e cobrou avanços de outros tantos, ao mesmo tempo em que recuperou de nomes de valor que estavam soterrados, e revelou outros.

Porém não atravessou em mar tranqüilo a dissecação que operou sobre o corpo estirado da poesia brasileira. Sofreu – como não poderia deixar de acontecer a um polemista – ataques à sua forma de proceder a revisão dos autores do passado e de sua época.

Com o escritor Haroldo Maranhão e o ensaísta Benedito Nunes (um ícone da teoria literária da atualidade e um dos principais críticos de Faustino), o poeta fundou a revista Encontro,que não passou do primeiro número. Mário e Nunes fizeram a revista em Belém e a enviaram para Haroldo Maranhão, no Rio de Janeiro. Fiel ao seu estilo cáustico, Maranhão não hesitou a folhear o material: “Está uma m...!”. Acabou-se assim Encontro, mas os amigos permaneceram juntos, discutindo e trabalhando no suplemento literário do jornal “Folha do Norte”, do Pará.



Mário viajou para os Estados Unidos, a fim de estudar no Pomona College, com bolsa do Rotary International. Um ano depois voltou a Belém, onde trabalhou na extinta Spvea (atualmente Sudam). A trabalho, viajou para o Rio de Janeiro, onde o cargo de professor-assistente na Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas. Depois, foi para o Jornal do Brasil, onde estreou com Poesia-Experiência e depois assumiu a Editoria de Política. Viajava para Cuba como correspondente na área quando o avião chocou-se com o Cerro de La Cruz, próximo a Lima. Junto com ele foram-se os originais de um novo livro, sem título, e que o poeta paraense Ruy Barata – um dos raros a lê-los – disse que já se distanciavam dos de O Homem e sua Hora e que eram brilhantes. A pedra dura, a mão rochosa do destino despetalou a não rosa. E Mário, obcecado pela palavra, foi-se para sempre, com seu poema