terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Conto: "Confissão" de Miguel Torga

A confissão de Miguel Torga
Enredo de A Confissão
Na noite de Reis, divertia-se junto com o amigo Armindo, beberam muitas doses de bebida alcoólica e lá pelas tantas da festa, brigaram por coisa alguma. Cada um foi para um lado. Em uma esquina mal iluminada, Armindo recebeu uma facada e gritou o nome do Bernardo. Júlia Garrido que estava em seu quarto,correu para abrir a Janela e percebeu um vulto a escapar. Ela juraria que era o vulto do Bernardo. Uma parte da juventude de Fontela foi torturada na cadeia de Freixeda. O Sargento e o cabo utilizavam esse método investigativo. Bernardo foi o último a ser interrogado e o mais torturado. Mesmo em situação deplorável continuou insistindo em sua inocência. O sargento suspendeu a tortura, ordenou que liberta-se os outros presos e colocasse o Bernardo na salmoura. A tortura continuaria no dia seguinte.
Enquanto era surrado, uma imagem lhe surgiu a mente. Era o Reinaldo no escuro a observar a briga, depois seguiu o Armindo e lhe enfiou a faca. Por ter sido preterido no coração da Silvana, que o trocara pelo Armindo. Nada mais natural o Armindo acreditar que a facada que recebera, era oriunda da desavença de minutos antes em local público.
Todas as evidências conspiravam contra ele. Não era só o sargento, todo o povoado não acreditaria na sua inocência. Lançar a suspeita sobre o Reinaldo, não faria isso. Não tinha certeza absoluta sobre a culpa do Reinaldo e nem era delator.
Só lhe restava alternativa da fuga.Com essa atitude,estaria assumindo a culpa perante todos.Não ficaria sendo castigado injustamente. Na mesma noite fugira, passara em casa, pedira dinheiro emprestado e antes do sol nascer atravessou a fronteira.
Meio século depois regressara a terra natal, pobre, velho, amargurado por uma vida de exilado. Tinha a intenção de rezar duas avé-marias na sepultura dos pais. Não avisara nem mesmo a irmã do seu regresso. Diante do cruzeiro, do pequeno riacho e da bica pública de água,refletiu sobre o sofrimento que sofrera por causa do desalmado que cometera o crime e permitira um inocente ser separado de sua cidade,de sua família e de seus sonhos.
Alguém gritou o seu nome. Oh! Bernardo! Era o padre Artur, amigo de infância e seminarista na época do crime. Surpreendentemente o padre sabia quem era o autor do crime. O Reinaldo naquela manhã lhe confessara no leito de morte. Reinaldo era o assassino. Bernardo seguiu para o velório e desferiu dois tampas na cara do morto na presença de todos.
O final do conto
O ambiente era lúgubre. Havia lágrimas e luto em todos os olhos.
Rompeu por entre a multidão que se acotovelava, sem ninguém o reconhecer.
— Quem é? — perguntavam.
— Não sei.
O cadáver jazia ainda sobre a cama, já vestido, à espera do caixão.
A passos lentos aproximou-se e fitou durante alguns momentos a figura hirta e mirrada do defunto. De repente, num ímpeto, deitou-lhe as mãos às abas do casaco, ergueu-o e rouquejou ou, fora de si:
— Estás morto, é o que te vale. Mas mesmo assim não vais deste mundo sem duas bofetadas na cara, covarde!
E deu-lhas.

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