terça-feira, 24 de maio de 2011

A FESTA DAS FIGURAS


A Metáfora ofereceu uma festa nos salões de sua casa de campo semântico. Entre a lista dos presentes figuravam várias personalidades de Linguagem Figurada : a Metonímia, a Antítese, a Hipérbole e outras menos cotadas e conotadas. Como anfitriã, a Metáfora queria fazer boa figura e ia de um campo semântico para outro a todo instante, atribuindo sempre um outro sentido a tudo que fazia. Dona Hipérbole logo se fez notada, sempre escandalosa e a fim de impressionar vestindo um longo de mil bordados, mas foi muito criticada pela Comparação xereta como as lavadeiras, e que vivia fazendo comparações dos outros. A Antítese, ora triste, ora alegre, servia com doçura os salgadinhos da festa. Durante a festa foi apresentado um número de mágicas com a famosa Prosopopéia, que faz todos os objetos inanimados andarem de um lugar para outro como se tivessem vida. Caso lamentável, foi o do jovem hipérbato sempre apressadinho, precipitando-se em antecipar tudo, especialmente, termos da oração, a calma parece que lhe falta. No meio da festa, pondo-se na frente do garçom, a bandeja que ele levava derrubou. Quando isto aconteceu, a Madame Gradação, tão moderada e metódica, deu aos poucos olhares de constrangimento, de desdém, de aborrecimento, de ira. Tal tumulto deu origem a que o livro de figuras da Senhora Metáfora desaparecesse e quando o Senhor Eufemismo foi chamado para investigar o caso, não contradisse sua fama de pessoa bondosa, que procurava ver a realidade por um lado mais suave, mais brando, e retrucou que não acreditava que ali alguém fosse capaz de se apropriar do alheio. Mal se falou em injustiça, surgiu a figura da Silepse, que, sempre voltada à concordância ideológica, subiu na mesinha e fez um discurso político : "As figuras estamos enganadas em querer mudar o sentido do mundo. Estes dão gestos da arraia miúda que querem ter problemas. Aqui não há injustiça. A gente devia ficar até satisfeitos ..." Nisto foi interrompida pela Ironia, que aplaudia freneticamente, murmurando : "Que retórica ! Que voz da verdade ! " Há quem diga que a Ironia estava gozando, mas é próprio da Ironia dizer o contrário do que se diz. Mas a Doutora Perífrase não vendo ali nenhum deboche, aproveitou o ensejo para se manifestar também, pois foi só ouvir a palavra retórica que se sentiu sensibilizada e aproveitou esta : "Senhoras e senhores, cara anfitriã mãe das figuras, a justiça única é a justiça do Criador de todas as coisas... blá, blá, blá..." No jardim, a Metonímia não ouvia o discurso tão entretida que estava com o seu último caso. Como tinha casos a Metonímia ! Segundo a Hipérbole, já passava da casa do milhar. Este seu caso já era meio idoso, era um figurão, um tanto esquisito. Durante toda a festa subia para cima e descia para baixo várias vezes. Há pouco tinha acabado de sair para fora do salão e se dedicava à Metonímia. Esta bebia copos e mais copos de vinho enquanto beliscava um Roquefort. Como mulher ambiciosa, pensava. Encontrava no Pleonasmo um par que só lhe daria certezas e boa música, pois ele era um piano de primeira. Feminina e esperta como toda saia que se preza, a Metonímia era a juventude que o Sr. Pleonasmo desejava. Seu antigo caso, a Catacrese, já estava cansada para o amor, tanto que durante a festa dormiu nos braços da cadeira, com a cabeça enterrada nas mãos. Só no final da festa é que a Metáfora, sentindo-se cansada de tanto mudar de figura para agradar os convidados, em sentido figurado desmaiou, perdeu o sentido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário